No mês em que o Meio Ambiente é celebrado no mundo todo, uma nova espécie de sapinho-pingo-de-ouro, o Brachycephalus ibitinga, acaba de ser descrita para a Mata Atlântica, no trecho paulista da Serra do Mar.

Até recentemente, eram conhecidas apenas cinco espécies de sapinhos-pingo-de-ouro que possuem a região da cabeça e do dorso cobertas por placas ósseas. Essas placas ósseas chamaram atenção dos pesquisadores por se mostrarem fluorescentes sob iluminação ultravioleta, o que possivelmente é importante para a comunicação entre os sapinhos, e talvez na comunicação entre eles e seus predadores.

Após análises detalhadas do esqueleto, vocalizações e material genético da espécie, realizadas pela bióloga Thais Condez e colaboradores, foi possível descrever a sexta espécie de sapinho-pingo-de-ouro pertencente ao seleto grupo de sapinhos com placas ósseas dorsais. A descoberta é ainda mais interessante considerando o pequeno tamanho da espécie. Segundo o artigo publicado na revista científica Norte-Americana Herpetologica (https://bioone.org/journals/herpetologica/volume-77/issue-2/HERPETOLOGICA-D-20-00031/Notes-on-the-Hyperossified-Pumpkin-Toadlets-of-the-Genus-Brachycephalus/10.1655/HERPETOLOGICA-D-20-00031.short), os sapinhos da nova espécie tem menos de dois centímetros de tamanho quando adultos, e podem ser encontrados no chão das florestas.

A primeira autora do artigo e líder do estudo, pesquisadora da Universidade do Estado de Minas Gerais, Thais Condez, comenta que o nome científico da espécie nova é uma junção de duas palavras indígenas de origem tupi-guarani (yby + tinga) que significam “terra branca”, em referência à neblina que recobre de branco as florestas da Serra do Mar nas adjacências da capital paulista. A espécie vive entre altitudes de 700 a 1000 metros acima do nível do mar, em matas que são frequentemente entremeadas por um denso nevoeiro ou “cerração”, típicos da região. Sua ocorrência é restrita a remanescentes florestais maduros e preservados, algo que se restringe cada vez mais às áreas legalmente protegidas, como parques estaduais, municipais ou reservas privadas.

Assim, a nova espécie pode ser encontrada em diversas Unidades de Conservação, todas localizadas nas franjas das Regiões Metropolitanas de São Paulo e da Baixada Santista, como o Parque das Neblinas (que é a localidade-tipo da espécie, usada como referência pelos pesquisadores), o Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba, a Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba, os Núcleos Bertioga, Caminhos do Mar, Itutinga-Pilões e Curucutu do Parque Estadual Serra do Mar, além do Parque Natural Municipal Varginha, localizado no extremo sul do município de São Paulo, nas margens da Represa Billings.

O biólogo Leo Malagoli, coautor do estudo e também gestor de Unidades de Conservação da Fundação Florestal, acrescenta que a descrição de uma nova espécie de vertebrado que vive nas margens da Região Metropolitana de São Paulo, considerada uma das mais populosas das Américas, reforça ainda mais a importância das Unidades de Conservação nas áreas urbanas e periurbanas, principalmente as de Proteção Integral. Todas essas áreas abrigam remanescentes florestais preservados, mas que têm como limite imediato áreas que sofrem intensa pressão decorrente da expansão urbana.

Nos limites sul da cidade de São Paulo, por exemplo, há intensa pressão sobre as áreas florestais a partir de desmatamentos e ocupações irregulares. Isso se soma à extração ilegal de plantas, a modificação dos ambientes por deposição de resíduos e esgoto, intenso pisoteio, entre outras perturbações que são pouco toleradas pelos animais silvestres, incluindo os minúsculos sapinhos-pingo-de-ouro. Nesses ambientes de extrema singularidade como as cristas da Serra do Mar, qualquer intervenção humana, por menor que seja, provoca alterações diretas nas condições ambientais do habitat de espécies como a do novo anfíbio descoberto.  Leo Malagoli explica que nessas condições algumas populações da nova espécie podem estar suscetíveis a extinção local, direcionadas por essas ameaças.

Ao que tudo indica, o sapinho-pingo-de-ouro recém-descoberto é um sobrevivente do crescimento indiscriminado da metrópole sobre as áreas naturais. Há pouco tempo, essas áreas hoje ocupadas pelas cidades, eram redutos de natureza exuberante, com cadeias de montanhas e vales de rios, e provavelmente abrigaram uma grande diversidade de plantas e animais. Com o surgimento e expansão da metrópole, a biodiversidade foi drasticamente reduzida e muitas espécies ficaram provavelmente “ilhadas” nessas áreas protegidas que ainda resistem no território. “Neste processo é possível que algumas espécies tenham sido extintas antes mesmo de serem estudadas e conhecidas, mas nossa descoberta ressalta mais do que nunca a importância da manutenção das áreas naturais protegidas, tais como as Unidades de Conservação, para a proteção da biodiversidade”, explica Thais Condez.


Fêmea adulta do sapinho-pingo-de-ouro, Brachycephalus ibitinga, proveniente do Núcleo Curucutu do Parque Estadual Serra do Mar, município de Itanhaém. Foto: Leo R. Malagoli.


Indivíduo do sapinho-pingo-de-ouro, Brachycephalus ibitinga, exibindo fluorescência das placas ósseas sob iluminação ultra violeta, município de São Bernardo do Campo. Foto: Juliane P. C. Monteiro.


Indivíduo macho da nova espécie, Brachycephalus ibitinga, proveniente do Parque Natural Municipal das Nascentes de Paranapiacaba, município de Santo André. Foto: Thais H. Condez.


Fêmea adulta do sapinho-pingo-de-ouro, Brachycephalus ibitinga, proveniente do Parque das Neblinas, município de Bertioga. Foto: Thais H. Condez.

Referências:
Condez, T.H., Monteiro, J.P.C., Malagoli, L.R., Trevine, V.C., Schunck, F., Garcia, P.C.A., Haddad, C.F.B. 2021. Notes on the Hyperossified Pumpkin Toadlets of the Genus Brachycephalus (Anura: Brachycephalidae) with the Description of a New Species. Herpetologica, 77(2), 176-194, (8 June 2021). https://doi.org/10.1655/HERPETOLOGICA-D-20-00031