Zé Pedro viveu a maior parte da vida no Núcleo Picinguaba do Parque Estadual Serra do Mar, onde se tornou uma referência local.
José Vieira, ou Zé Pedro, morreu na manhã desta terça-feira, 18 de maio, na Santa Casa de Ubatuba para onde tinha sido levado após se sentir mal. Com ele morre boa parte da história de luta de um povo pelo direito à terra de seus antepassados e pela defesa de seu modo de vida.
Zé Pedro, como era chamado embora não tivesse “Pedro“ no nome, viveu quase toda a vida junto às comunidades quilombolas ao longo do litoral norte do estado. Nascido em Cunha em 1938, filho de seu Pedro e de dona Benedita, Zé teve onze filhos, seis mulheres e cinco homens, a quem soube transmitir os valores de união e entendimento que recebeu dos pais. A maioria dos filhos permaneceu por perto quando começaram as primeiras conversas sobre a criação do Quilombo da Fazenda e viram nascer uma das mais importantes comunidades tradicionais do estado de São Paulo.
O documento apresentado por ocasião da criação do Quilombo da Fazenda, em 2006/2007, que presta a ele uma justa homenagem, traz um breve histórico de seus tempos de juventude. Seu pai era descendente de escravos da região de Cunha. Transferiram-se para Paraty quando Zé Pedro tinha 13 anos. O documento destaca também que pai e filho fizeram um calçamento de 150 metros de pedras grandes em Sete Rosas, uma das marcas históricas de Paraty. Trabalhando com o pai, Zé Pedro aprendeu a lidar com pedras para construir casas, calçamentos e muros de arrimo.
Nos tempos de infância, lembrava Zé Pedro, Paraty era uma cidade majoritariamente povoada por negros. Regiões como Curisco, Curisquinho, Boa Vista, Rio dos Meros e Itatinga concentravam uma população toda formada pelos descendentes dos escravos que desembarcavam no porto desde a época da colônia. Muito provavelmente essa impressão da infância fez despertar no jovem Zé um forte sentimento de comunidade. Passou a vida trabalhando pelo bem estar de seu povo, evitando os conflitos desnecessários, insistindo na cordialidade como o melhor caminho. Talvez nunca tenha lido Gandhi. Talvez sim. O que se sabe é que o sentido de “resistência pacífica” brotava naturalmente em seu coração.
Dona Laura, liderança do Quilombo da Fazenda, tinha seu Zé como um mestre. Ambos percorreram uma trajetória comum na luta pela criação do quilombo. Trabalhavam juntos desde a época da Associação Litoral Norte, um dos embriões do quilombo, quando ele viu na jovem o mesmo espírito de batalha. Para dona Laura, assim como para as mais de 200 famílias que hoje podem viver e trabalhar em seu próprio território, o nome de Seu Zé nunca vai ser esquecido.
Camila Oliveira, gestora do Núcleo Picinguaba do Parque Estadual Serra do Mar, se lembra que ele já havia se tornado uma espécie de instituição local. “Seu Zé representava aquela figura marcante do imaginário afetivo do brasileiro: o preto velho sábio e generoso, que gosta de contar histórias e compartilhar suas experiências. Ele também era ótimo benzedor”. E completa: “Nos últimos anos, era o guardião da Casa da Farinha, um dos lugares de maior interesse turístico e cultural de Picinguaba. Nas famosas rodas de conversa, os visitantes se sentavam à sua volta para ouvir seus relatos impregnados de emoção”.
A Fundação Florestal se une à comunidade do Quilombo da Fazenda para compartilhar a dor dessa perda e reafirma seu compromisso de continuar defendendo os direitos das comunidades tradicionais nas áreas de proteção ambiental e que se tornaram parceiros nas iniciativas de preservação da natureza e das pessoas que nelas vivem.