A história de mais trinta anos de reflorestamento do Sítio Duas Cachoeiras, em Amparo (SP), foi contada em um evento online a um público de pelo menos três mil pessoas ligado ao tema no mundo todo.

A apresentação foi feita na conferência Reflorestamento para a biodiversidade, captura de carbono e meios de subsistência, realizada entre 24 e 26 de fevereiro e transmitida ao vivo no Youtube. O produtor agroecológico Guaraci Diniz apresentou, com imagens históricas e bastante ilustrativas, como a mata nativa foi se recompondo numa parcela de cerca de 30 hectares que antes não passava de pasto e cafezal e, hoje, é uma floresta, reconhecida pela Fundação Florestal como Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, uma unidade de conservação de caráter privado.

A RPPN Duas Cachoeiras está situada no bioma Mata Atlântica, o mais ameaçado do país, com apenas 5% da cobertura original. Ali, também, está sediado o Jardim Botânico Araribá (JBA), ambos geridos pelo Grupo de Ações e Estudos Ambientais (Gaea).

O evento virtual reuniu interessados em recomposição florestal de vários países, entre legisladores, financiadores, cientistas, jardins botânicos e implementadores de reflorestamento em pequena e grande escala, incluindo governos, doadores, empresas e ONGs conservacionistas e foi patrocinado pela Sky Zero e pela Fundação Franklinia e apoiado pelo Cifor-Icraf (World Agroforestry), além de copatrocinado pelo Royal Botanic Gardens (RBG), Kew e Botanic Gardens Conservation International (BGCI).

A conferência contou ainda com o apoio e a abertura oficial do patrono do Royal Botanic Gardens, o príncipe Charles, herdeiro do trono britânico, que assinalou que o mundo tem hoje uma oportunidade única de catalisar mudanças em direção a um caminho sustentável baseado na natureza. “A tragédia da pandemia (da Covid-19) chamou a atenção para a necessidade urgente de a humanidade redefinir seus modelos operacionais.” Alertou, ainda, sobre o desmatamento que ocorre no planeta, na base de 13 milhões de hectares por ano, segundo a ONU, situação que traz “consequências desastrosas para as comunidades rurais em relação à mudança climática e ao orçamento global”.

Árvores certas no lugar certo

Guaraci Diniz foi um dos palestrantes da Sessão 2 da conferência, que tinha como tema Árvores certas no lugar certo – nativas versus exóticas. No mesmo painel, foram apresentadas experiências de reflorestamento da Tailândia, do Congo e da África do Sul. “Tínhamos uma área devastada e não sabíamos o que fazer lá”, relatou Guaraci em sua exposição. “Começamos retirando os animais do pasto, que ficava entre dois rios e nascentes. Com a saída dos bovinos, as árvores isoladas que existiam no pasto começaram a se tornar abrigo para pequenos pássaros, que traziam sementes, que germinavam e foram formando núcleos de vegetação.”

Agrofloresta

O produtor agroecológico descreveu que, ao longo dos anos, esses núcleos foram se expandindo e se unindo a outros blocos vegetais e, aos poucos, formando maciços florestais, num processo natural de regeneração. “Em locais onde tinha havido muita interferência humana e não ocorreu a regeneração natural, começamos a implantar sistemas agroflorestais”, descreveu. “Com isso, equilibramos o ambiente, atraindo mais animais e tornando-o mais recuperável”. Na agrofloresta, relembra Diniz, foram introduzidas árvores nativas. Entre elas, plantas que fornecem alimentos e outras de ciclo curto, como grãos e raízes.


A proposta é expandir o projeto para mais 300 hectares no entorno da RPPN Duas Cachoeiras e do Jardim Botânico Araribá (JBA), utilizando-se tanto das técnicas de regeneração natural quanto de agrofloresta, para acelerar o processo e, ao mesmo tempo, garantir alimento para seres humanos e animais. Para tanto, o JBA busca interessados em financiar a empreitada, que poderá recuperar flora e fauna nativas do local, como também preservar os mananciais que abastecem os municípios da região.O que mais chamou a atenção na exposição de Guaraci foi a sequência de fotos aéreas do Sítio Duas Cachoeiras, tiradas ao longo dos anos. No início, sem vegetação nenhuma e, pouco a pouco, com a floresta predominando. Ele se recorda que, no início, o Sítio Duas Cachoeiras tinha apenas uma nascente. Atualmente, com a volta da mata nativa e a infiltração segura da água da chuva no solo, as nascentes já são quatro – comprovando que áreas com cobertura florestal adequada também funcionam como armazenadoras e conservadoras de água.

Aula de reflorestamento

Ao longo de 30 anos de experiência com reflorestamento, Guaraci notou que uma técnica – que até se tornou legislação no Brasil – não é necessariamente a mais eficiente. “A lei preconiza, para projetos de reflorestamento com espécies nativas da Mata Atlântica, que se deve plantar todas as espécies ao mesmo tempo na área-alvo – pioneiras, secundárias, secundárias tardias e clímax”, observou, em sua palestra. “Só que isso se mostrou ineficiente, porque árvores que precisavam de sombra, mais umidade e um solo recuperado não conseguiam sobreviver”. O ideal, então, recomendou, é criar inicialmente um ambiente propício para depois introduzir as espécies vegetais mais exigentes em sombra e terreno fértil, a fim de garantir seu desenvolvimento.

“Com a cobertura vegetal já formada, começamos a notar que não só as plantas se desenvolviam mais, mas também a interação com a fauna dentro do próprio sistema florestal”, prosseguiu, mostrando em seguida fotos noturnas de vários mamíferos silvestres flagrados na área, entre eles os felinos gato-do-mato (Leopardus tigrinus), o gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi) e a jaguatirica (Leopardus pardalis), o que demonstra que a recuperação vegetal tem conseguido manter a fauna até do topo da cadeia alimentar. “Ou seja, além de reflorestar, garantimos ao mesmo tempo suporte à vida silvestre, que também tem condições de cumprir suas funções ecológicas.”

Como acessar a conferência

A conferência Reflorestamento para a biodiversidade, captura de carbono e meios de vida poderá ser assistida no Youtube em breve. A programação de todos os dias de debate, com palestrantes, temas e horários, você encontra em https://www.kew.org/science/engage/get-involved/conferences/reforestation-biodiversity-carbon-capture-livelihoods/day-1/abstracts .